Primeiro lembro-me de ouvir e brincar muito na minha infância com a música "Atirei o pau no gato to-to, mais o gato to-to não morreu reu-reu, Dona Chica ca-ca adimirou-se se-se do berrô do berrô que o gato deu...Miiiaaaauuuu! e que hoje já tem uma versão politicamente correta: "Não atire o pau no gato to-to....." então a letra mudou e o espírito da música também mudou. Tudo bem que é bem assim mesmo que a histórias vão tendo suas novas versões. Mas o que isso reflete em nossos dias? Nossas crianças não poderão ter mais o prazer de rir e rir gostosamente com os susto da Dona Chica...porque o gato não morreu, mas deu um berro que assustou a dona Chica! As nossas crianças não podem ter o exercício da fantasia da coisa errada que faz rir. Faz-me rir esta nova versão do "Não atire o pau no gato..." Não é isso que fez o mundo ser mais violento. Eu nunca atirei um pau no gato por ter me divertido com a música, nem sou revoltada por ouvir histórias de fadas e princesas, nem por ter acreditado e muito em papai Noel. Muito pelo contrário, sou grata por tudo isso ter sido apresentado na minha doce infância. Naquela época tive uma vizinha que tinha uns trinta gatos em sua casa, e muitos deles chegavam maltratados por crianças de rua...desconfio que nunca ouviram essa música nem as histórias que eu ouvia, porque quem pode rir com uma música destas, fazendo de conta que atirou o pau no gato, não precisa atirar o pau no gato de verdade.
As histórias me mostravam o certo e o errado, o poder do amor, da amizade através dos enredos, do herói, da magia e do encantamento, mas eu tinha na vida real o exemplo dos meus pais e da minha família. Mas agora falando de histórias, me lembro de um grande amigo meu me encaminhar por e-mail uma entrevista que saiu num jornal de grande circulação do nosso Estado, onde o entrevistado criticava os Contos de Fadas defendendo a ideia de que não é bom para a criança acreditar em fadas ou em princesas casando com príncipes e finais felizes. Noutro dia, num site de um Contador de Histórias que dizia que "Contar histórias é uma coisa séria", comentava que contos de fadas já não valem mais para as nossas crianças pois príncipes não existem...Comentários como estes mostram o quanto não se leva a sério as histórias e o trabalho do Contador de Histórias. Ora, se somos contadores de histórias é porque desejamos que o imaginário possa ser despertado, ir para outros mundos e desfrutar de um outro tempo e reencontrar neste "Faz de conta" os nossos desejos inconscientes e deixar liberar emoções que até então estavam hibernadas esperando um momento mágico para ganharem expressão. Ora, não dá pra ter isso com uma história onde os personagens são tão reais quanto na vida real e vivenciam histórias comuns da vida real, com seus finais mal acabados. Um bom contador de história sabe que "as pessoas tem sede é de fantasia¹" e "as histórias hidratam a alma²".
A psicanálise já fez longos estudos e descobriu que a linguagem dos Contos de fadas é como a linguagem onírica, elementos presentes nos sonhos, estão presentes nos contos de fadas. Por isso, as histórias preferidas das crianças menores até seis anos, ainda são os contos de fadas e de princesas. Sejam meninos ou meninas eles podem se identificar com os elementos simbólicos destas histórias que são essenciais para a sua formação psíquica nessa fase, digo isso comparando como se fossem vitaminas para o corpo.
Fadas existem, muitos de nós sabemos que elas existem. Não é necessário explicar nada para a criança num conto de fadas, pois elas sabem dar o devido sentido à história, identificam com facilidade suas bruxas e suas fadas em suas vidas. Mas é muito comum que deixando de ser criança perdermos nossa capacidade imaginativa deste encantamento, não conseguimos mais nos lembrar como se brincava de carrinho, de boneca...de como eles eram de verdade! Eu tive bruxas (inspetoras de classe), fadas (professoras, amigas), tive magos (médicos, terapeutas), herói (pai). Tive até "Pássaro encantado" me casei com um príncipe ele virou rei e eu rainha, depois eu virei bruxa e desvirei...ele virou sapo e desvirou...tivemos sapinhos príncipes e um linda princesa, plantei um pé de feijão, de rosas.... também enfim.... somos felizes..temos finais felizes nuns dias e nem tão felizes em outros....Mas por que evitar histórias com finais felizes?
Vamos ser sinceros. Todos nós gostamos muito mais de finais felizes. Queremos, desejamos finais felizes!!
Finais felizes são sinônimos de esperança, de luta que não foi em vão, de uma missão cumprida, sabor de vitória, de um mal que chega ao seu fim. Pra mim basta que seja feliz e represente uma esperança, pois para algumas pessoas é a única coisa que elas possuem e ninguém tem o direito de tirá-las.
Tenho visto muita história, muitos livrinhos infantis com um politicamente correto hipócrita. Fazer o lobo mal ser bom não vai ajudar uma criança a entender que no mundo existem pessoas em quem não se deve confiar. Apenas estão criando muita confusão entre o bem e o mal. Melhor que o lobo seja mal, que ele coma a vovó e depois morra com o tiro do caçador. Melhor a criança criar a sua própria imagem de violência e que possa construir seu senso crítico, seu super ego, seu banco de dados das normas e leis de convivência humana através de uma história onde o bem e o mal estejam bem contrastados e evidentes, onde os valores de uma época podem estar bem refletidos. Não é mudando o lobo mal que vamos acabar com a violência. Muito pelo contrário, quando uma criança que não tem acesso ao mundo real através do universo simbólico das histórias é que ela estará mais sujeita à violência num ato ou sendo as vítimas dele.
Não me faz sentido a moda do politicamente correto e me parece até a contra mão da educação e consciência que se deseja como resultado. Não adianta uma história não mostrar a realidade através da fantasia. As histórias sempre existiram para ajudar a manter a tradição, os valores e crenças de uma época e hoje tudo isso está balançando, nossas incertezas, nossa insegurança com relação à educação das nossas crianças e jovens, passa pelas histórias. Tudo tem seu valor! A arte, a poesia, a literatura, nunca deixam de registrar o espírito de um tempo. Se nos preocupamos com a formação psíquica de nossas crianças, devemos ter mais respeito e menos hipocrisia.
Quanto ao aspecto cultural, vamos cuidar do que é nosso sem deturpar as músicas e as histórias infantis e acreditemos na sabedoria de nossos antepassados que estão guardadas na composição destas músicas e destas histórias e na tradição que nos identifica como pessoa, como um povo.
Sou uma contadora de histórias e sinto em cada música, em cada conto ou história o encontro do novo com o velho, pois as histórias se renovam cada vez que são contadas, mas não devem perder a sua essência que penetrando na alma nos presenteia de significados à nossa existência.
Elaine Cristina Villalba de Moraes - Nani
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