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"E se não morreram, viveram felizes até hoje, diz o conto de fadas. O Conto de fadas, que ainda hoje é o primeiro conselheiro das crianças, porque foi outrora o primeiro da humanidade, permanece vivo, em segredo, na narrativa. O primeiro narrador verdadeiro é e continua sendo os contos de fadas." (Walter Benjamin)

domingo, 12 de setembro de 2010

O Contador de histórias no contato com o paciente infantil

Sempre que eu volto de um encontro de formação de contadores de histórias voluntários para hospital, fico sempre a refletir e pensando nas dúvidas e angústias dos novos candidatos ao iniciar um trabalho como este. Com minha experiência de contadora e coordenadora posso dizer o quanto este trabalho  faz a diferença para uma criança hospitalizada e o quanto faz crescer os que praticam o voluntariado, mas sei também o quanto os novos voluntários sofrem por insegurança, não só na narração ou escolha das históiras mas principalmente na questão da aproximação com o paciente infantil em seu iníco desta nova empreitada de contador de histórias num hospital.


Nani no Palacio dos Bandeirantes em outubro/09 - O Gov. José Serra fez uma grande homenagem aos voluntários da Saúde do Estado de São Paulo.

Num hospital as horas não passam, tem o desconforto de não estar em casa, de não poder fazer ou comer o que se quer, além das dores que se tem que suportar. Nós chegamos lá com vigor, sorrindo, mas é um gesto delicado, não pode ser aquela alegria que destoa, que choca. Vamos nos aproximando com delicadeza e uma certa auto confiança, como quem sabe que tem algo muito bom para oferecer àquela criança, ou àquele acompanhante que está ao seu lado. Em nossas malas levamos belas histórias, jogos, mas também levamos nossos ouvidos, é preciso antes de tudo de ouvir uma pouco aquela criança, conhecê-la e também porque todos somos contadores de histórias, as crianças também tem as suas e devemos escutá-las. Às vezes ela só quer conversar um pouquinho.

Um bom contador de histórias, deve ler muito, conhecer várias histórias, saber tirar de um livro tudo o que for possível desde a ilustração e sentir profundamente a história em sua alma, mas álém disso, para levá-las a um hospital ele precisa ainda aprender muitas coisas sobre a arte da aproximação e do contato com a criança.

Comigo na primeira vez foi fácil, a criança é que me pediu para contar histórias, mas com o tempo a gente vai vendo que temos que desenvolver outras formas, por isso resolvi falar um pouco sobre este tema.

Temos que lembrar que cada criança ou pessoa é singular, por isso não há fórmulas mas sempre temos que começar de alguma maneira não é mesmo? Às vezes pensamos que somos tímidos demais e que não vai rolar nada, às vezes nossa energia contagiante que usamos em outros lugares pode não funcionar em um hospital...então como fica?

Normal... seja você mesmo!! Faça como gente grande, se apresente, pergunte o nome da criança, faça-lhe um elogio do nome, do sorriso ou de seus olhos. Eu gosto de começar assim, chamando atenção para as coisas boas que aquela criança me faz sentir. É assim que eu me aproximo pois acredito que é preciso que alguém de fora diga àquela criança algo de bom, sem que ela seja olhada como uma paciente. 

Depois de um clima de aproximação podemos apresentar nossos livros, deixar a criança escolher, mas é comum com a experiência dos anos, já na conversa com a criança descobrirmos qual tipo de leitura ou narrativa agradará mais aquela. Aí o tempo passa que a gente nem vê, fica uma delícia entre uma história e outra, uma conversa que gira em torno da história e vai longe. Se o difícil é se aproximar, depois o difícil, vai ser sair.

Algumas vezes acontece que o contador vai ouvir um "Não" da criança e aí a experiência conta muita, mas o mais importante é interpretar este "Não" para as histórias.

Tem certos "Não" que são por pura timidez. Isso a gente  pode ajudar e ir quebrando o gelo com jeitinho, uma brincadeira, uma mágica, deixando a criança curiosa, conversando com a mãe, contando histórias para a criança que está ao lado. É divertido e muito gratificante quando a criança se abre em sorrisos no final e fica sendo seu fã, seu amigo. Ouvi dizer que um garoto de 11 anos que não falava com ninguém no hospital desde de que fora internado, foi se abrir justamente com uma Contadora de histórias que também era tímida no início de seu trabalho. 

Outras vezes é um "Não" por que a criança tem uma certa dificuldade social e isso é comum por vários motivos: Falta de costume, de cultura diferente ou por simplicidade. Deformidades, síndromes, mas é comum como elas nos surpreendem depois que entram em contato com Contadores de histórias e outros voluntários. Podem se tornar mais sociáveis que antes do período de internação e ficam muito amigos e isto ajuda na sua recuperação e às vezes é fundamental para a sua evolução como pessoas apesar de suas limitações. Num caso incrível que eu conheci a garotinha tinha 3 anos não falava, não ouvia e tinha muitas deformidades, mesmo assim todos insistiam em falar e estar com ela, quando saiu do HC foi para outro abrigo, lá recebeu mais apoio profissional e por fim aos 11 anos ela era totalmente social, entendia as pessoas e se fazia entender e ainda queria ajudar no cuidado com as outras criança do abrigo. É lindo testemunhar todo este crescimento, me faz pensar que quando ninguém desiste, quando se investe na criança acreditando na interação só se pode esperar resultados deste tipo.

Continuando sobre os nãos, tem aquele "Não" que é":- Hoje eu não quero ouvir histórias por que estou com dor, voltei da cirurgia, acabei de sair da UTI" - então dizemos que fica para uma próxima vez. Deseje tudo bom pra ela, para os acompanhantes e sempre use o bom senso. Oferecer é educado, insistir é fala de educação. Falamos com carinho, baixinho palavras de força e esperança e deixamos a criança em paz...acredite ela está lá para se recuperar, precisa de repouso, aquele descanso pode ser o alimento que ela está precisando naquele momento.

Tem 'Não" que é pra dizer que ele quer brincar de outra coisa...Tenha sempre um jogo, uma brincadeira...No meio da brincadeira vá contando umas histórias curtas, quando você ver já estão pedindo outra. 

Um "Não" é bem raro tá! Neste jogo o "sim" de conta uma história sempre foi o vencedor! Mas é bom estar preparados.

Às vezes, não é só com histórias que fazemos milagres...uma vez foi com bolinhas de sabão. A criança no  colo da mãe não queria, nem prestava atenção no meu livrinho.  Então comecei a soltar bolinhas em silêncio. A criança sorriu para elas, se mexeu no colo da mãe...mais um pouquinho ela desceu, foi para chão, ficou em pé e começou a querer pagá-las...aos pouquinhos já estava correndo e dando risos de alegria. Quando vejo, lágrimas nos olhos da mãe que me disse: "- Fazia três semanas que ele não sorria mais e nem saia do meu colo!"...Depois disso eu sai do hospital meio como a bolha de sabão, flutuava mas com uma grande interrogação: Como é que pode uma bolinha ter feito isso para aquela criança? Uma simples bolinha de sabão! Parece tão pouco...mas essa experiência faz a gente mudar por dentro...É por esta e outras que este trabalho me move, me surpreende, me dá sentido. Que seja assim também pra você.

Nani
Coordenadora dos Contadores de Histórias Griots/HC

12/09/2010

2 comentários:

  1. Nani, maravilhosa! Parabéns pelo seu trabalho, por transmitir a alegria, o otimismo, a amizade, a simplicidade, com tanto encanto. Exemplo de profissional, exemplo de mulher. Inspiração para muito gente.

    Com carinho, Ana Cláudia

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  2. OI Nani, adorei! Queria lembrar mais um significado do nao no hospital. No período que a criança está internada ela fica proibida de dizer NAO... Com o nosso trabalho, a criança pode recuperar esse seu direito universal. Ou seja, até qdo nao contamos histórias a nossa presença é importante.
    Beijinhos, Evinha

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"As infinitas maravilhas do Universo são a nós reveladas na medida exata em que nos tornamos capazes de percebê-las. A agudeza da nossa visão não depende do quanto podemos ver, mas do quanto sentimos". (Helen Keller)